segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Cartões de cidadão e eleições

Foi grande a confusão ontem para aqueles que munidos de um cartão de cidadão quiseram exercer o seu direito de voto.
Culpa-se o modelo associado ao cartão de cidadão, o qual dispensa o antigo cartão de eleitor, e o sistema informático que não aguentou a avalanche de pedidos registada ontem.
Mas será a culpa apenas dos sistemas?

Os eleitores

Ontem, quando saí de casa para ir votar, já sabia onde teria que ir, apesar de não saber ao certo qual ou quais os documentos a apresentar. Por mudança de morada (que implicou também mudança de freguesia) tive que fazer um cartão de cidadão (o primeiro para mim) no passado mês de Novembro, o qual ficou pronto a 29 de Novembro, menos de 60 antes das eleições de ontem.
Dados os prazos para o fecho da feitura dos cadernos eleitorais (até 60 dias antes do acto) depreendi que continuaria a votar na minha antiga freguesia, mas, para tirar todas as dúvidas, ainda em Dezembro consultei o site do portal do eleitor onde pude verificar, através do número do BI/Cartão de Cidadão (e a data de nascimento), que continuaria a votar na anterior assembleia de voto, mantendo, por enquanto, o mesmo número de eleitor. E tudo isto mais de três semanas antes do dia de ontem. Durante esse período fui sempre confirmando essa informação, não fosse haver alguma alteração, inclusivé no Sábado, véspera de eleição.
Ontem, como disse, limitei-me a sair de casa, ir à assembleia de voto, procurar a secção a que correspondia o meu número de eleitor e dizer, a quem me atendeu, que levava aqueles documentos todos por não saber muito bem qual o que deveria mostrar.
À hora do almoço comecei a ouvir as primeiras notícias de problemas com os portadores de cartão de cidadão, notícias que, com o passar do dia, foram-se agravando.
Reconheço que o actual sistema com o cartão de cidadão é confuso (daí eu ter tido que ver no site do portal do eleitor onde é que votaria - e, já agora, com que número) e também reconheço que não é obrigatório ter acesso à internet, o que, não sendo o único sítio onde verificar estas coisas, ajuda muito. Mas não consigo perceber porque motivo a maioria das pessoas que ontem não sabiam onde votar não se lembraram disso há mais tempo. Repito, há 3 semanas (até mais) que eu sabia onde iria votar. Por que razão os que ontem foram apanhados desprevenidos não o sabiam? Ainda para mais a maioria dessas pessoas teria acesso à internet (conseguiram deitar o sistema abaixo), logo, em qualquer altura das semanas anteriores poderiam ter consultado a sua situação.

O sistema

O sistema com o cartão de cidadão não é o melhor e isso está mais que provado. Não se percebe que num cartão como este que substituí vários outros, incluindo o de eleitor, não consiga ter toda a informação desses mesmos cartões vísivel para o seu detentor.
Com um cartão de eleitor eu fico a saber tudo o que necessito para procurar o sítio onde votarei. Com o de cidadão não. E sabendo todos nós da apetência natural dos portugueses para se absterem em tudo o que seja importante e lhes diga respeito, mais motivos haveria para que não se tivessem feito as coisas desta forma.
Como disse antes, mesmo no meu caso as coisas estavam confusas, pelo menos para mim, pois tinha um cartão de cidadão, com uma morada numa outra freguesia que não aquela onde fui votar, um número de eleitor ainda associado à anterior freguesia e o respectivo cartão. Questionei os serviços através do tal portal do eleitor para tentar saber que documentos deveria apresentar, mas até hoje espero a resposta (já agora, se algum funcionário desse serviço ler isto, agradeço o trabalho, mas nesta altura já não preciso de qualquer resposta). O que na mesa onde votei me disseram foi "vai ao balcão de apoio ao eleitor que está lá fora, eles pesquisam [no tal site] e colam um autocolante com o número de eleitor no cartão de cidadão"!
Como!? Então eu tenho um cartão de identidade todo prá frentex, com chip, códigos e pins para tudo e mais alguma coisa, mas que no fim, para saber o meu número de eleitor, terei que colar papelinhos? Estupidez!
Da parte do sistema informático as coisas complicam-se, talvez por defeito meu ou por solidariedade profissional para quem gere aquele sistema (sou informático de profissão). Ouvi um senhor na TV (que não sei quem é, mas pareceu-me ser uma pessoa graúda e com responsabilidades na CNE) a dizer que "não percebo nada de informática", mas que "os programadores terão que explicar porque o sistema não aguentou".
Não sei o que se passou, mas posso dar uma achega fruto da minha experiência:
- Primeiro, quem trata do dimensionamento das máquinas não são os programadores, mas sim os administradores de sistemas (ADMSIS);
- Segundo, isto só acontece (os ADMSIS conseguirem dimensionar as máquinas) se os deixarem. Geralmente quem dá o dinheiro não consegue ou quer entender aquilo que se lhes diz e então compra-se sempre tudo usando o mais pequeno que há no mercado, apesar dos gritos desesperados dos ADMSIS;
- Terceiro, qualquer sistema está dimensionado para uma carga de trabalho média, com margem para picos, apesar de por vezes esses picos ultrapassarem todas as previsões. Como as máquinas custam dinheiro, o investimento é feito em função dessa utilização média, com margens para os tais picos, desde que, claro, estes não sejam uma coisa descontrolada, como foi o caso de ontem (já agora, resolvi testar o sistema ontem por volta das 14:00 e estava OK). Podiam-se ter comprado máquinas mais potentes? Sim, podia-se, mas isso significaria que iríamos ter máquinas sub-aproveitadas em 99% do tempo!

Conclusão
Parece-me que há culpa de todos:
- os eleitores porque, como habitualmente, deixaram tudo para o fim, saindo de casa sem sequer saber onde teriam que ir votar;
- o sistema do cartão de cidadão, por, no meio de tanta tecnologia, não ser capaz de "dizer" aos eleitores qual o seu número para que possam saber onde votar (e papelinhos colados não são solução);
- o sistema eleitoral português que continua agarrado ao passado, obrigando a que os eleitores só possam votar em função do sítio onde moram e obrigando à existência de mais um número identificador dos eleitores.

Para as próximas eleições e havendo mais cartões de cidadão a circular, parece-me que a abstenção entrará no Livro do Guiness.

3 comentários:

  1. Eu acrescentaria a falta de divulgação pelas
    entidades que o deviam ter feito, chamando a
    atenção dos eleitores para a consulta
    atempada do sítio onde iriam votar. Era
    serviço público!
    Maria

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  2. Cara Maria,
    Tem razão no que diz. No meu caso, talvez por ter recebido o cartão pouco tempo antes das eleições, informaram-me logo que o cartão de cidadão substituíria o de eleitor, apesar de ser completamente omisso quanto ao número que passei a ter.
    Em relação à informação sobre a consulta onde iriam votar, limitei-me a seguir o que vi nos cartazes. Não sei onde mora, mas aqui em Lisboa havia cartazes em vários locais, incluindo na parte de trás dos autocarros, à vista de todos e onde constava o tal site a que me refiro.
    Já agora, apesar de não fazer ideia de quando serão as próximas eleições, hoje fiquei a saber qual o meu novo número de eleitor (já na nova freguesia). Para os interessados: http://www.recenseamento.mai.gov.pt/

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  3. Antes havia filas para votar, no futuro haverá para descobrir onde se vota ...
    Quem concebeu/autorizou o cartão de cidadão devia ter pensado em adquirir uns leitores para as mesas de voto, não digo para todas mas pelo menos uma para cada local de voto!
    Mas se calhar isto é pensar muito, e pensar cansa ...

    Luís.

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