Numa noite destas, em que o cansaço abundava, mas o sono teimava em não aparecer, fiquei, como é normal nestas alturas, a pensar em coisas diversas e dei comigo a recordar-me da Lisboa que eu conheci quanto era miúdo e que desapareceu ou quase.
Uma das coisas de que me recordei foi de expressões que eu ouvia muito em criança e em adolescente e que não oiço há muito tempo. Todas elas, ou quase, tinham "nascido" com os eléctricos e, tal como estes, quase desapareceram do vocabulário lisboeta, trocadas pelos bués e outras coisas assim.
Quem é que ainda hoje usa o "vai a 9" para se referir a alguém ou alguma coisa que vai muito depressa (ou, como se diz agora, com "bué da speed")? Este "vai a 9" teve origem nos 9 pontos dos controllers (reguladores de velocidade) que equipavam a maioria dos eléctricos da Carris (havia outros modelos com menos pontos). O 9º ponto correspondia à velocidade máxima. Nunca mais ouvi ninguém dizer este "vai a 9".
Outra que nunca mais ouvi foi o "levado da breca", que é como quem diz, "é tramado". O que é a breca? A breca é uma aportuguesamento do break inglês e este break era simplesmente o disjuntor dos eléctricos. Quem andou nos antigos eléctricos da Carris lembra-se com toda a certeza daquela caixa preta que ficava no tecto das plataformas mesmo por cima dos guarda-freios. Essa caixa era o disjuntor do eléctrico e sempre que o guarda-freio metia mais potência nos motores do que a que devia o resultado era certo: um estouro do disjuntor de ensurdecer todos os que viajavam naquela plataforma. E lá se ia a breca! Recordo-me de uma dessas ocasiões, na Rua da Prata, ia eu com a minha irmã. O eléctrico entrou na Rua da Prata e só parou no primeiro semáforo. Daí para a frente foi sempre a andar sem parar e sem tirar pontos. Só me lembro de ter dito à minha irmã qualquer coisa como ou "vai estoirar" ou "tapa os ouvidos" (aqui a memória varreu-se-me) e BANGUE, lá se foi a breca. Ela saltou do banco e quando "aterrou" perguntou-me "como é que sabias?". Fácil. O barulho de um motor daqueles em sobrecarga era bem característico!
Havia ainda expressões que para mim sempre foram um enigma, e que nunca entendi o porquê da sua existência. Uma delas era o "tlim-tlim, Xabregas". Porquê Xabregas? O "tlim-tlim" sei o que é: é uma onomatopeia para o som da campaínha do eléctrico. Quando os condutores (nome que se dava aos cobradores) davam o sinal de estar tudo em condições para continuar viagem puxavam duas vezes o cordão de couro que ligava à campaínha, fazendo assim o característico "tlim-tlim". Incialmente isto acontecia em todos os eléctricos, mas eu já sou da época em que só nos eléctricos com reboque é que isso se fazia. Fica por explicar o porquê do "Xabregas" e não outra zona qualquer.
Uma das coisas mais características da Carris desses tempos (que não estão assim tão longe quanto isso) era o famoso "Ssssanta Apolónia" que os condutores gritavam sempre que o autocarro (curiosamente não me lembro disso nos eléctricos) chegava à paragem que servia a estação. Os "sss" que eu coloquei a mais em Santa têm a sua razão de ser: eles diziam aquilo de uma maneira que parecia que faziam sempre um compasso de espera entre o "S" e o "anta", soando aquela sílaba mais prolongada que as restantes. Naquela época ainda havia muita gente a viajar de comboio entre Lisboa e a terrinha e sempre bem carregados de todo o tipo de bagagens. Era um pavor nos dias em que se passava em Santa Apolónia poucos minutos depois da chegada de um comboio. Primeiro que se saísse dali...
E como isto é exactamente como as cerejas, passei rapidamente das expressões para os hábitos. Lembrei-me daquele entroncamento da Cç. Cruz da Pedra, Rua Nélson Barros e Rua da Madre de Deus, onde os eléctricos da carreira 16 (com reboque) usavam as agulhas do entroncamento para inverter a sua marcha, com uma complicada manobra, atendendo ao restante trânsito, que implicava uma marcha-atrás em pleno cruzamento!
E pelo meio ainda havia os "putos da Patrício Prazeres" que, como eu, aproveitavam a baixa velocidade dos eléctricos naquele ponto para atravessarem o cruzamento, caminhando ao lado dos mesmos. Ai se os nossos pais adivinhassem...!
Estou a ver que estou muito saudoso. Estarei a ficar velho?
Uma das coisas de que me recordei foi de expressões que eu ouvia muito em criança e em adolescente e que não oiço há muito tempo. Todas elas, ou quase, tinham "nascido" com os eléctricos e, tal como estes, quase desapareceram do vocabulário lisboeta, trocadas pelos bués e outras coisas assim.
Quem é que ainda hoje usa o "vai a 9" para se referir a alguém ou alguma coisa que vai muito depressa (ou, como se diz agora, com "bué da speed")? Este "vai a 9" teve origem nos 9 pontos dos controllers (reguladores de velocidade) que equipavam a maioria dos eléctricos da Carris (havia outros modelos com menos pontos). O 9º ponto correspondia à velocidade máxima. Nunca mais ouvi ninguém dizer este "vai a 9".
Outra que nunca mais ouvi foi o "levado da breca", que é como quem diz, "é tramado". O que é a breca? A breca é uma aportuguesamento do break inglês e este break era simplesmente o disjuntor dos eléctricos. Quem andou nos antigos eléctricos da Carris lembra-se com toda a certeza daquela caixa preta que ficava no tecto das plataformas mesmo por cima dos guarda-freios. Essa caixa era o disjuntor do eléctrico e sempre que o guarda-freio metia mais potência nos motores do que a que devia o resultado era certo: um estouro do disjuntor de ensurdecer todos os que viajavam naquela plataforma. E lá se ia a breca! Recordo-me de uma dessas ocasiões, na Rua da Prata, ia eu com a minha irmã. O eléctrico entrou na Rua da Prata e só parou no primeiro semáforo. Daí para a frente foi sempre a andar sem parar e sem tirar pontos. Só me lembro de ter dito à minha irmã qualquer coisa como ou "vai estoirar" ou "tapa os ouvidos" (aqui a memória varreu-se-me) e BANGUE, lá se foi a breca. Ela saltou do banco e quando "aterrou" perguntou-me "como é que sabias?". Fácil. O barulho de um motor daqueles em sobrecarga era bem característico!
Havia ainda expressões que para mim sempre foram um enigma, e que nunca entendi o porquê da sua existência. Uma delas era o "tlim-tlim, Xabregas". Porquê Xabregas? O "tlim-tlim" sei o que é: é uma onomatopeia para o som da campaínha do eléctrico. Quando os condutores (nome que se dava aos cobradores) davam o sinal de estar tudo em condições para continuar viagem puxavam duas vezes o cordão de couro que ligava à campaínha, fazendo assim o característico "tlim-tlim". Incialmente isto acontecia em todos os eléctricos, mas eu já sou da época em que só nos eléctricos com reboque é que isso se fazia. Fica por explicar o porquê do "Xabregas" e não outra zona qualquer.
Uma das coisas mais características da Carris desses tempos (que não estão assim tão longe quanto isso) era o famoso "Ssssanta Apolónia" que os condutores gritavam sempre que o autocarro (curiosamente não me lembro disso nos eléctricos) chegava à paragem que servia a estação. Os "sss" que eu coloquei a mais em Santa têm a sua razão de ser: eles diziam aquilo de uma maneira que parecia que faziam sempre um compasso de espera entre o "S" e o "anta", soando aquela sílaba mais prolongada que as restantes. Naquela época ainda havia muita gente a viajar de comboio entre Lisboa e a terrinha e sempre bem carregados de todo o tipo de bagagens. Era um pavor nos dias em que se passava em Santa Apolónia poucos minutos depois da chegada de um comboio. Primeiro que se saísse dali...
E como isto é exactamente como as cerejas, passei rapidamente das expressões para os hábitos. Lembrei-me daquele entroncamento da Cç. Cruz da Pedra, Rua Nélson Barros e Rua da Madre de Deus, onde os eléctricos da carreira 16 (com reboque) usavam as agulhas do entroncamento para inverter a sua marcha, com uma complicada manobra, atendendo ao restante trânsito, que implicava uma marcha-atrás em pleno cruzamento!
E pelo meio ainda havia os "putos da Patrício Prazeres" que, como eu, aproveitavam a baixa velocidade dos eléctricos naquele ponto para atravessarem o cruzamento, caminhando ao lado dos mesmos. Ai se os nossos pais adivinhassem...!
Estou a ver que estou muito saudoso. Estarei a ficar velho?
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