quarta-feira, 16 de julho de 2008

(Dis)Funcionais II

Depois das estações do metro desta vez vou-me dedicar a duas de caminhos-de-ferro: “Obra de arte” do Oriente e a Renovada do Rossio.

Começando pela obra de arte.

Aquela “coisa” sofre de má-formação congénita devida à ideia errada que o Sr. Arquitecto Calatrava tem daquilo que é uma estação ferroviária. Segundo essa sumidade, uma estação ferroviária é apenas um local de passagem, onde as pessoas se limitam a entrar e a sair de comboios. Para esta sumidade em arquitectura, na ferrovia, ao contrário do que se passa nas viagens aéreas, não há lugar a mudanças de comboio, a tempos de espera antes ou entre viagens como se as pessoas chegassem todas à estação 30 segundos antes da partida e tivessem sempre viagens directas desde a origem ao destino, e o resultado foi uma estação (penso que única em todo o Mundo) sem qualquer tipo de sala de espera – situação resolvida quase 10 anos depois, com a criação de umas jaulas de vidro no piso intermédio. Como se isso não fosse suficiente, o ego narcisista da sumidade sentiu-se ofendido quando soube da volumetria dos prédios da envolvente ao mamarracho e, como paliativo, resolveu aumentar a altura das palmeiras, tornando-as meros ornamentos de gosto duvidoso e iguais às de muitas outras obras do mestre, mas sem qualquer efeito práctico quanto à protecção dos infelizes passageiros contra os elementos.

Do ponto de vista ferroviário também esta obra de arte é uma aberração. Começa por ter sido imposta à CP (à época ainda não existia a Refer), que sempre quis ter a nova estação central de Lisboa na zona do Vale de Chelas. Curiosamente a estação do metro das Olaias (outra aberração para alimentar o ego de mais uma sumidade da arquitectura) foi construida com um acesso para o comboio, o qual, por motivos óbvios, nunca foi aberto. Também os terrenos nesse vale pertencem ao domínio público ferroviário. Para os interessados, se viajarem de comboio na linha de cintura verificarão que existe do outro lado do vale (ou o que resta dele) a muitas dezenas de metros da linha uma vedação verde, a qual marca o início da propriedade da Refer.

Em termos de operação, a obra de arte peca por ter apenas linhas de passagem, sem qualquer via de resguardo, o que implica que qualquer comboio que termine ali ou fica a ocupar linhas que poderiam ser usadas para outros comboios ou vai estacionar para outro sítio, sítio esse que se situa em Santa Apolónia, a cerca de 6 Kms de distância. Por causa disso, os actuais inter-cidades do Algarve e Alentejo, têm que fazer uma viagem de Santa Apolónia até ao Oriente e efectuar manobras para colocar a locomotiva no outro extremo da composição. Isto porque entretanto se quis justificar o custo daquela obra, já que esses inter-cidades podiam começar em Santa Apolónia, com percurso directo para a Linha de Cintura e Ponte 25 de Abril, sem necessidade de tais manobras (e que chegam a atrasar a marcha de outros comboios, principalmente os suburbanos).

Voltando à coisa do Oriente, segue-se a altura das plataformas das gares. Como é que é possível que, atendendo à época em que aquela obra foi feita, se tenham construido umas plataformas tão baixas? É a única estação em toda a rede de suburbanos de Lisboa, em que o piso dos comboios não fica à altura da plataforma! É incrível! Ainda relativamente às plataformas, mas desta vez falando da sua dimensão, qual foi a razão para as terem feito tão curtas? 309 metros contra, por exemplo, os 348 metros das maiores da velhinha Santa Apolónia com quase 150 anos! Poupança no material?

Como prémio para tanta estupidez, o Estado Tuga vai pagar agora não sei quantos milhões à sumidade para um projecto de alterações à obra de arte por forma a poder receber os comboios de alta velocidade e “corrigir alguns erros”! Porreiro, pá. Um tipo faz as coisas mal feitas e ainda ganha milhões para as corrigir! Só neste país!

Seguindo para a antiga “Estação Central”, vulgo Estação do Rossio.

Esta estação, a mais bonita de Lisboa, tem sofrido ao longo dos seus 118 anos de vida obras, não só de conservação, mas também de alteração para a adaptar às novas exigências.

Na primeira metade da década de 1990, foram efectuadas obras de aumento e alteamento das plataformas para acompanhar a chegada das, então, novas unidades 2300 (as “vermelhas” das linhas de Sintra e Azambuja) e em simultâneo criou-se um interface com a estação dos Restauradores do Metropolitano. Essa ligação ao metro faz-se através de várias escadas que partem das várias plataformas e que dão acesso a um patamar ou nível intermédio, quer directamente quer após se percorrer um corredor (no caso das escadas que saem junto aos topos das vias). Daí chega-se, através de uma escadaria, a um novo nível mais abaixo, já quase ao nível do átrio de entrada do Metro, passando-se depois para um corredor desnivelado (daí o “quase ao nível do átrio (…) do Metro”) por onde se chega à estação de Metro. Dito desta forma parece tudo bem. O tudo mal surge quando se vai lá e se vê com os olhos o que ou como é aquilo. O acesso à estação do metro propriamente dita obriga a que os passageiros voltem para trás, já que o último corredor do interface é enviezado (em linguagem de aviador fica em direcção às 4 horas de quem desce as escadas) e, no fim deste, as pessoas dão de caras com umas barreiras que as obrigam a virar à direita e depois voltar à esquerda numa volta de 180º. Finalmente chegam às cancelas do metro. Terá isto resultado de erros de cálculo? Não poderiam ter feito o átrio do nível intermédio mais curto de forma a que o acesso fosse directo?

Uns anos mais tarde, cerca de 10, o túnel do Rossio fechou pelos motivos que todos conhecemos, e a Refer aproveitou a ocasião para renovar todo o outro lado da estação, acabando definitivamente com o que restava do antigo CCTerminal. Como resultado, apareceu um novo acesso desde o átrio de entrada do lado do Largo D. João da Câmara até à gare, composto pelo átrio de entrada, um pequeno lanço de escadas que dá para um patamar intermédio, seguindo-se um grande (enorme) lanço de escadas até ao nível da Gare. Com isto tudo o espaço que fica entre o fim desse último lanço de escadas e a parede situada em frente não deve ultrapassar os 5 metros, e a isso ainda se juntam as máquinas de vendas de bilhetes (mesmo em frente às escadas) e as bilheteiras, que apesar de ficarem ao lado, ainda “geram muito trânsito” na área. Se do cimo das escadas olharmos para baixo ficamos com a ideia de ter havido ali, e mais uma vez, um erro qualquer de cálculo. Bastaria o primeiro lanço de escadas começar um metro mais atrás e o patamar intermédio ser mais curto para que aquele funil ficasse bem mais largo. Felizmente que a estação do Rossio já não tem o movimento que tinha antes do fecho do túnel, pois se assim fosse aquele funil seria uma confusão tremenda à hora de ponta. No passado dia 30 houve um pequeno “cheirinho” dessa confusão ao se terem sobreposto o dia de venda de passes com uma avaria na sinalização que provocou atrasos e supressões nos comboios. Só muito dificilmente se conseguia passar por ali.

E por aqui me fico.

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