quinta-feira, 24 de julho de 2008

A nova ponte de Lisboa

Que impactos irá ter a nova ponte Chelas-Barreiro no Beato? Sim, no Beato? Esta é uma das questões que me têm atormentado nos últimos tempos, desde que a sua construção foi anunciada.

E refiro-me ao Beato (freguesia e zona da mesma freguesia) não só por morar lá, mas porque esta ponte trará mais implicações ao Beato que a alternativa Beato-Montijo, já que a opção escolhida atravessa a freguesia numa diagonal que abarca uma área muito maior de margem (ou, se preferirem, de terra firme) que a alternativa preterida que nem sequer passava pelo Beato-freguesia (assim como na margem esquerda não é no Barreiro que a ponte vai dar, mas sim no Lavradio)!

Seguindo a direcção de terra para o Rio, a ponte começará em terrenos que pertencem à freguesia de Marvila (mas meramente por uma questão administrativa, já que do outro lado da rua já é Beato) ocupados pela Escola Secundária Afonso Domingues, antiga escola industrial, que, para além do edifício principal, é composta por vários anexos de alguma dimensão, onde funcionam as oficinas das aulas práticas. É, actualmente, a única escola secundária da zona com turmas até ao 12º ano. Com o traçado da ponte a cair-lhe mesmo em cima, esta escola está condenada ao camartelo, tendo já lido que já não funcionaria no próximo ano lectivo (2008/09), facto que me custa muito a crer, mas sem nunca se ouvir falar de alternativa para a mesma. Provavelmente fechará definitivamente, sendo os estudantes que a frequentam ou que a frequentariam no futuro enviados para o degredo de alguma escola em Chelas.

Temos, para já, uma escola que já era.

Continuando a seguir o percurso da ponte, segue-se a Manutenção Militar. Também esta deverá ser desactivada, já que grande parte do trajecto que a ponte fará sobre Lisboa será por cima dos terrenos destas instalações militares. Apesar de já não ser a entidade empregadora que foi noutros tempos, ainda emprega muita gente, sendo esse facto uma importante fonte de rendimentos para a economia local, sendo que muito do comércio existente no Beato-zona vive bastante dependente desse mercado. Acabando a Manutenção Militar não consigo ver como irão sobreviver aquelas lojas (ou parte delas) apenas com os moradores locais, cuja maioria é composta de pessoas idosas com reformas baixas ou imigrantes.

Temos assim, uma escola, a Manutenção Militar e (indirectamente e, admito, bastante discutível) o comércio local, ou parte dele, a desaparecerem do mapa.

Continuando a viagem, cruzamos a Av. Infante D. Henrique e chegamos à Doca de Xabregas e, finalmente, ao rio.

Nesta zona irão existir um pilar ainda na doca e um outro já no rio, sendo este último um problema para a navegação, principalmente para as manobras de acostagem dos navios ao Terminal de Contentores de Santa Apolónia, de acordo com os pareceres da Administração do Porto de Lisboa. Para solucionar o problema terão que ser feitas obras para prolongar a doca mais para dentro do rio, com os inevitáveis trabalhos de aterro que isso implica. Como a actual doca tem menos de 10 anos de construção (as obras de ampliação começaram umas semanas antes do início da Expo-98, tendo o novo terminal entrado em funcionamento em 2000 ou 2001), pode-se dizer que este é um dos mais belos hinos ao génio do planeamento português!

Fazendo um balanço do que até agora foi dito:

  1. uma escola vai abaixo;
  2. a Manutenção Militar vai abaixo;
  3. o comércio local não deverá ficar de muito boa saúde com o fim da Manutenção Militar;
  4. terão que ser feitas obras nas instalações do porto de Lisboa que ainda nem 10 anos de uso têm.

Começando a juntar algumas destas coisas teremos mais algumas consequências interessantes para a freguesia do Beato.

Assim, juntando o 1. com o 2. (escola e Manutenção Militar abaixo) iremos ter menos população trabalhadora/estudante na freguesia o que, associado ao 3. (crise no comércio local) levará, quanto a mim, ao surgimento de mais uma (ou mesmo muitas) razão para a Carris fazer aquilo que tanto gosta de fazer nesta zona: redução de serviço. Os maiores candidatos à cacetada serão a carreira 39 e a 718. Em relação à primeira seria a cereja sobre o bolo para a Carris, já que finalmente haveria uma razão bastante forte para acabar de vez com esse serviço (sendo que já se ouvem há algum tempo boatos de que o seu fim está para breve). Já para a 718 os mais provável será assistirmos à diminuição da sua frequência. Na parte mais alta da zona, não creio que haverá mexidas nas carreiras que por lá circulam.

Haverá também, como não podia deixar de ser, o impacto que uma obra destas irá ter na zona, quer durante a construção, quer após a inauguração da ponte. Para a fase da construção pouco há a dizer, já que toda a gente sabe o que isso implica (barulho, pó, sujidade, poluição). Depois de concluída a obra virão os factores mais permanentes, como o barulho do tráfego da ponte, que por muito atenuado que seja continuará a haver, a poluição automóvel e, pelo que se conhece da Ponte 25 de Abril, todos os OVNIs que resolvam aterrar debaixo da ponte vindos lá de cima.

Para lá da ponte irá haver os acessos. Em termos ferroviários a linha dividir-se-á saindo ramos para o lado do Oriente (mas porquê, senhores, porquê?) e para o lado do Areeiro (essencialmente para os comboios suburbanos). Quanto ao trânsito rodoviário o mesmo irá desembocar na Av. Santo Condestável (!) de onde será distribuído para o interior da cidade (sim, digo para o interior da cidade pois não consigo ver como é que se poderá, naquela zona, construir ligações directas entre a nova ponte e, por exemplo, a AE Norte ou a CRIL). Com a ligação da ponte à Av. Santo Condestável tornar-se-á quase obrigatória a conclusão dessa avenida em direcção a Xabregas, o que implicará grandes trabalhos na zona da Estrada de Chelas e R.Gualdim Pais (com muitos realojamentos pelo meio) e a construção de um novo viaduto ferroviário em Xabregas, o que agravará a curto e médio prazo o caos provocado pelas obras (Xabregas ficaria/ficará sitiada de obras, com as da ponte a norte e as da Av. Santo Condestável a sul) e a longo prazo trará um aumento de trânsito considerável a toda aquela zona.

Será tudo isto pessimismo meu? Serei um velho do Restelo? A resposta será, provavelmente, sim, já que, apesar de eu ver tudo isto em tons tão sombrios, há quem veja em tudo isto a oportunidade que finalmente chega de reconverter toda aquela zona, nomeadamente a actual vereação da Junta de Frequesia do Beato que, para os menos crentes como eu, até chega a convidar as pessoas para que olhem para o outro lado da cidade e vejam o exemplo de Alcântara para que se constate as melhorias e a reconversão que aquela zona teve graças à Ponte 25 de Abril! Como resmungão que sou, olho para Alcântara como me pedem e não vejo nada disso. Só consigo ver a grande confusão de automóveis que sempre vi desde que me conheço, uma série de ruas amputadas e bairros divididos, coisas que só em adulto comecei a ver, já para não falar na chuva de objectos e no intenso ruído proveniente da ponte e que se ouve a grande distância durante as 24 horas do dia.

Em conclusão e juntando o oficialmente previsto e planeado com as minhas previsões e conjecturas temos:

1. O fim da única escola secundária que ainda existe na zona, sem que se fale na construção de uma alternativa;

2. O fecho da Manutenção Militar;

3. Crise no comércio local decorrente do fecho da Manutenção Militar

4. Diminuição da oferta de transportes por parte da monopolista CCFL

5. Realojamentos e consequente desmembramento de relações sociais em zonas onde o factor bairro e de vizinhos ainda tem um peso grande

6. Durante a construção os impactos negativos das obras de:

6.1. Construção da ponte

6.2. (Re)Construção da muralha e doca de Xabregas (obra que actualmente tem menos de 10 anos)

6.3. Conclusão da Av. Santo Condestável e respectivos acessos

6.4. Construção de novo viaduto ferroviário em Xabregas (acesso à estação de Santa Apolónia)

7. Após a conclusão de todas estas obras:

7.1. Aumento do tráfego automóvel na zona

7.2. Poluição atmosférica e sonora (apesar da promessa da implementação de medidas que diminuam o impacto ambiental)

7.3. Possibilidade de ocorrência de problemas de segurança (até hoje ninguém conseguiu ou quis resolver o problema dos objectos que caem ou são lançados da Ponte 25 de Abril, pelo que é justo considerar que no caso da nova ponte o problema poderá vir a ocorrer)

Espero que tudo isto seja mais negativista que a realidade, mas o que querem? Até hoje nunca nenhuma autoridade se mostrou realmente interessada na qualidade de vida das populações residentes ou trabalhadoras da zona, pelo que o meu cepticismo quanto a estas questões já me transcende.

Sem comentários:

Enviar um comentário