terça-feira, 6 de abril de 2010

Por comodismo II

Há uns meses atrás, em Agosto do ano passado, escrevi um post sobre os transportes públicos e o alegado comodismo dos portugueses no que toca ao seu (não) uso.
Nesse post realcei o problema da desadequação da oferta às necessidades das pessoas e a completa desarticulação entre os vários meios ou até entre diferentes serviços de uma mesma empresa.
Agora vou-me debruçar sobre outro aspecto desta problemática: o atraso com que os transportes chegam a certas zonas.
Com isto do "atraso" não me estou a referir aos atrasos sistemáticos e aos imcumprimentos de horários. Refiro-me ao tempo que medeia entre, por exemplo, uma urbanização ser construída e a criação dos primeiros, muitas vezes únicos, serviços de transportes públicos para lá.
Por vezes nem se tratam de novas urbanizações ou pólos de emprego, mas apenas mudanças de hábitos, de localizações de empresas ou de construção de novos arruamentos mais directos e que funcionam como alavanca para toda uma alteração dos movimentos pendulares casa-trabalho-casa.
Os primeiros casos, o de novas urbanizações ou de pólos empresariais ou escolares, acontecem frequentemente nas zonas suburbanas, embora dentro das cidades também surjam de vez em quando casos desses. A nova zona surge, começam-se a construir casas ou edifícios comerciais ou industriais que pouco tempo depois começam a ficar ocupados. Nesta altura geralmente ainda não há serviço de transportes públicos para essas zonas, normalmente por "a procura não justificar". As alternativas para quem lá mora ou trabalha passam, claro, por ir a pé até ao local mais próximo com transportes públicos ou ir de carro.
O mesmo acontece com os segundos casos. Veja-se o caso da ex-Expo que sendo uma zona nova,não o é enquanto zona urbana, pois antes já lá havia equipamentos (industriais) e a zona até era servida de transportes públicos. Durante as obras de construção da exposição esses transportes foram ou desviados ou encurtados e no final da exposição ganharam-se novos pólos habitacionais e de serviços... mas sem transportes!
Inicialmente os transportes da zona resumiam-se ao centro de toda aquela área, onde foi construída a Estação do Oriente, com uma estação ferroviária e uma de metropolitano, servida por várias carreiras de autocarros urbanas, suburbanas, e de longo curso. Como "herança" da exposição ainda funcionou durante algum tempo o terminal da Transtejo, também junto à Estação do Oriente, tendo sido abandonado por "falta de procura". Para as "pontas" de toda aquela área imensa (zonas Sul e Norte) era o "deserto", ou quase. Imediatamente a seguir ao fim da exposição foi criada uma carreira para servir a zona norte (o 114), mas que apenas funcionava aos dias úteis e apenas durante o dia fazendo a ligação à Estação do Oriente. Mais tarde a carreira foi prolongada à zona Sul, mantendo o mesmo horário. Mesmo as ligações ferroviárias ou por metro no Oriente não eram as mais apetecíveis. O metro oferecia a tão necessária ligação transversal, mas completamente coxa, ligando-se ao resto da rede apenas através de outra linha, isto durante 11 longos anos. A CP tinha (e continua a ter) um serviço no mínimo sofrível com ligações razoáveis à linha de cintura  apenas à hora de ponta, sendo nos outros períodos de tempo um serviço pouco apetecível, de meia em meia hora e com uma "interrupção" de hora e meia todos os dias úteis a partir das 22 (ou por aí).
O resultado desta combinação de factores, aliado a uma boa rede viária na zona foi, mais uma vez, a passagem maciça de utentes para o transporte individual.
E assim se cai na terrível espiral do "não há procura". Tanto num caso (novas urbanizações), como noutro (deslocações de pólos entre zonas diferentes) as transportadoras começam sempre por não criar serviços ou alterar os existentes por considerarem sempre que a procura não justifica mais oferta, revelando uma enorme miopía estratégica. Só mais tarde, quando as zonas estão relativamente consolidadas, é que finalmente se criam ou se melhoram os transportes públicos de e para lá. Entretanto quem lá mora ou trabalha já teve que se valer da viatura particular e quando os transportes aparecem já os hábitos estão muito enraízados e dificilmente mudam.
E é assim que se criam "monstros" como o Tagus Park ou o Parque das Nações, com tremendos congestionamentos de trânsito e sem qualquer sinal de melhorias no que quer que seja.
E, como sempre, é mais fácil dizer que é por comodismo que as pessoas não usam os transportes públicos.

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